domingo, 16 de maio de 2010

AFLC

Dor de raiva.
Cerrar os dentes.
Vista embaciada.
O engasgo.
Algo no peito.
Aperto, descarga, choque, dor, de raiva.
Contracção, lágrima, choro, sal.
Por quê?
Tremer, temer, sofrer, gemer.
Lembrar, chorar, limpar, andar.
Pedir, fugir, contrair, iludir.
Saudade do que foi e do que podia ter sido.
Silêncio, ausência, solidão, medo, distância.
Saudade do que foi sonhado e do que podia ter sido concretizado.
Movimento, mover, parar, morrer.
Um dia predador, no outro a presa.
Saber, não acreditar, acontecer, admitir.
Raiva na dor.
Enraivecido pelo doer.
Chorar, sentir falta, sentir o lembrar, querer tocar.
Ver as imagens, rever a cor.
Enraivecer a dor.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Cinzas


Cinzas
Agora que me deixaste
Agora que lá chegaste
Que fiquei sem ti
Sem o teu encosto, o teu cheiro
Morreste, partiste.
Quiseste que o teu corpo ardesse
Dizias que querias experimentar
Um pouco do calor do teu inferno
Antes de nele entrares
Choro, estou triste
Não consigo deixar de pensar em ti
Volta...
A sério, volta...
O que faço agora com os teus restos
Perdoa-me, mas não os posso guardar
Vou partilhar-te com alguém
Com o rio...
O mesmo que te levou
Vou libertar-te uma vez mais
Vou soltá-las
Deixar que elas corram na corrente fantasma
Que elas sintam as cócegas feitas pelas ondas de vento
Que elas rocem as margens quentes
Que tenham a viagem da vida delas nas cascatas
Já cansadas, coitadas, navegam lentamente
Parte delas enriquece as terras, parte delas nada em frente
Depois da foz e estuário, depois de enganarem as redes, chegam ao mar
Aí dispersam, deixam de se conhecer
E deixam de ser lembradas!
Mas eu não te esqueço,
Eu agora vou contigo,
Eu agora vou ser o mar!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

À letra

À letra
Um dia perguntaste se eras o sol da minha vida.
Não, não és. Tu és a minha vida. Se fosses o Sol da minha vida eu não te podia abraçar. Serias demasiado grande e quente. Derreterias o meu coração, o que quase acontece quando te vejo.
Um dia perguntaste se eras o branco dos meus olhos, como é o gelo branco dos pólos do nosso mundo.
Não, não és. Se o branco dos meus olhos fosse como o gelo dos pólos eu cegaria e não te poderia ver, saber como és bela, saborear os arrepios que sinto ao ver-te. Mas eu sou praticamente cego, só tenho olhos para ti.
Um dia perguntaste se o que eu sentia por ti era tão grande quanto o maior deserto do mundo.
Não, não é. É maior, muito maior. Tão grande até, que ainda não inventaram unidades de medida para tal grandeza. Mas imagina que era o deserto, imagina que um dia me pedias para te mostrar o que sentia por ti, imagina as dunas escaldantes que tinha que subir, as tempestades de areia que tinha de combater e imagina que afinal eras o Sol da minha vida e que ficavas lá no alto a queimar-me a pele, a sugar a água do meu corpo, a matar-me aos poucos.
Não, não é. É maior.
Um dia perguntaste se eras a lua do meu mundo.
Não, não és. Era insuportável pensar que só te via de noite e não em todas pois de vez em quando estarias de face para o Sol.
Não, não és. Imagina o que era se eu fosse o centro da tua vida, isso nem tu suportavas, nem eu queria. Eu quero partilhar os meus mundos e a minha vida contigo e não ser o centro da tua.
Não, não és.
Eu sim, sou na verdade tudo o que posso para estar ao teu lado. Sou uma lua que te rodeia e te abraça com medo que saias de órbita, sou um contador de grãos de areia no deserto e engolia todas as tempestades. Derretia todo o gelo dos pólos por um beijo teu, mesmo que tivesse que nadar toda a eternidade.
Soprava até o Sol se apagar e deitava-me a teu lado para uma noite eterna.

És lua


És lua
Olho para a lua, vejo-te a ti
Toco-te nos sonhos, vejo-te ao longe
Perto de outro alguém
Pareces intocável, um muro de sensações
Tens o coração cheio de perdições
Não és um ser vulgar, não para mim
És a lua, do meu mundo, vejo-te em lagos
Aos bocados, todos molhados
Pela água, que não molha mas queima
De mim, parte é tua, és a minha lua
Na tua luz me perco
E nem sequer, de ti estou perto
Mas tu estás dentro de mim
Será que isto vai continuar assim
Sou o sol, és a Lua

Só consegues continuar


Só consegues continuar
Vais a correr sem parar
Para trás vais a olhar
Para trás algo vais deixar
Vais a correr
Sem saber
Que vais morrer
Não estás a ver
Quem deixaste a sofrer
Não podes parar
Não consegues falar
Não consegues cantar
Só consegues continuar
A correr
Sem saber, que não vais viver
Não sabes ver
Que o que fizeste te pôs a morrer
Vais a correr
Num túnel escuro sem fim
Sem saber o que te pôs assim
Não sabes o que aí vem
Mas porém
Para trás continuas a olhar
Com vontade de parar
Começas a chorar e a amar
Pois já consegues ver
Quem deixaste a sofrer.

Solta-te e voa


Solta-te e voa
Nasce o dia
Nasce o sol
Nasce a flor que há em ti
Não tenhas medo
Mostra a todos
És igual a todos
Não penses que podes
Viver sozinho
Acha o caminho
Que vais viver
Tens que ser forte
Tens que conseguir
Solta-te e voa
Voa p’ra bem longe
Para o cimo de tudo
Vais ser algo, algo vivo
Algo soberbo.

Mundo pequeno


Mundo pequeno
Sou grande, num mundo pequeno
Sou pequeno, num mundo tão grande
Estar onde não pertenço
Ter o que não devo
Tentar o que não posso
Ser o que não sou
Não pode ser assim
Não posso fugir
Não posso ver o invisível
Estou encurralado
Não posso ser ajudado
Não tenho ninguém a meu lado
Para lutar para apanhar o que resta
Dum ser que vai viver.

Corram pelas ruas


Corram pelas ruas
Corram pelas ruas
Mostrem o que são
Não fiquem especados
Olhem em frente
Não se deixem ficar
São vocês que estão
Na vossa mão
Tentar ou não tentar
Voar ou não voar
Quem não abre as asas no ar
Ao chão vai parar
Quem não abre os olhos no escuro
Vai bater no duro
Quem não nada no mar
Vai-se afogar
Abrir os olhos
Não custa nada
Fechar portas, ainda menos
Mas abri-las é que não
Aí sim, vê-se quem voa,
Vê, nada, sabe e luta.

Tu de ti


Tu de ti
Ainda te lembras?
De como era?
Saltar! Brincar! Rir! Sorrir!
Amar sem saber!
Dar sem receber!
Sentir as ruas inchar!
Ao teu passar
Olhares só por olhares.
Saberes que reinavas
Naquele mundo só teu
E depois, chegares ao fim
Sem réstia de sedução
Apenas tu próprio para dar
Tu e mais nada
Sem jogos, Sem fantasias, Sem tudo
Tu, só tu, confrontado com um mundo diferente
A tremeres de medo pois já não!
Não eras o tu, que tu querias
Mas não te lembras.
Não te lembras que só restas tu!
Tu! O tu que vive nos corações dos outros
O tu que não se transforma mas adapta-se!
O tu que se tu quiseres pode ser algo!
O tu de ti que pode ser tudo!

Areia morna


Areia morna
Tanto e tão pouca coisa
Ficou por dizer
Estava um mar tranquilo
Uma areia morna
As tuas palavras acalmavam-me
O teu toque derretia-me
Os teus olhos entretiam-me
Disseste-me coisas lindas
Aconchegaste-me na toalha
E beijaste-me a testa
Partiste.
Ias desaparecendo nas ondas
Que o areal emanava
E eu ia lembrando-me de como foi
O teu beijo, as tuas palavras
Subiste a duna nua
Acenaste e eu sorri
Partiste.
Comecei a ouvir as ondas a rebentarem
O mar a rugir
A areia a dançar
O vento a esfriar
Partiste para sempre
Fiquei na praia vazia
Despida de calor
Fustigada pelo temporal
Partiste sem te aperceber
Do mal que me fazias
Fiquei comigo, com o teu beijo,
As tuas palavras, o teu aconchego
E a tua toalha.
Fiquei-me porque partiste
Sorri porque não me desiludiste
O vento empurra-me e o mar abraça-me
E eu choro lágrimas mais salgadas que ele
Encho o peito de vento e chamo por ti
Adeus!

Às Vezes


Às Vezes
Às vezes tenho medo do Sol
Medo que ele saia detrás da nuvem negra
Não que ele me ofenda os olhos
Não que a sua luz faça contrair as minhas pupilas
Mas às vezes o cinzento pela manhã sabe bem
As pessoas falam menos
Até a chuva as faz ficar em casa
Não que não goste do dourado
Que no Verão, deixas na minha pele
Mas só que às vezes
Um pouco de chuva na cara também é bom
Um frio de rachar para sentir os ossos
Diz-me que estou vivo
Não me leves a mal Sol
Mas, às vezes, só me apetece ficar em casa
À janela, à lareira a ler
A ouvir a chuva cair
A ver as janelas tremerem
Com a rajada que passou
Não ouvir os pássaros cantar entristece
Mas sei que quando tu voltares
Eles terão novas melodias
É só por isso Sol
Às vezes só não te quero ver
Pensar que não me conhecem nem conheço
E colocar-me no lugar das pessoas que só vejo passar
Pessoas sem nome
Rostos esquecidos em dez segundos
Não me alegra, mas gosto de ver
A tristeza que a tua ausência cria nas pessoas sem nome
Mas também invejo os sorrisos que fazes aparecer quando voltas
É só isso
Às vezes.

Fogo sem calor


Fogo sem calor
Quando o círculo se aperta.
E a sombra oscila.
A luz engana-te.
O suspiro arrepia-te.
E a morte assusta-te.
O moderno rasga-te a mente.
Mexe-te por dentro
E traz-te à memória o tempo sem fim,
O inferno sem pausa
A misericórdia sem sabor
O vento sem ar
O fogo sem calor
O tempo sem momentos espelha-se em ti
E tu sem nada fazer continuas
Continuas no tempo sem fim
No amor sem ciúmes
Na paz desconhecendo a guerra
Vivendo enfim, o fim
Sem saber o princípio
Sem saber que é fim
Por o princípio Ter existido
Por ser fim por estar acabadoPor o ser sem o Ter sido e sem o saber

Recuar


Recuar
Às vezes quem me dera, quem me dera
Nem uma palavra saber escrever
Nem uma saber soletrar
Nem uma saber pronunciar
Sorrir apenas, como o nascer do Sol
Sentir apenas, como o pôr-do-sol
Das revoltas da vida nada saber
Das entranhas da Terra nada ouvir
Ai quem me dera
Olhar para o céu e apenas ver estrelas
Olhar para o céu e apenas ver nuvens
Olhar para o mar e desconfiar
Desconfiar que ele roubou o azul do céu
Quem me dera ser do mundo
Sentir como a vida é simples
Sentir apenas, sentir!
Sem futuros que nos fazem recuar no tempo
Chorar lágrimas
Acenar aos sorrisos
Perceber a poesia
Dar as mãos nas mãos
As mãos nas sensações
Sorrir apenas
Caminhar no mundo
No mundo simples
Num mundo diferente
Numa vida viva.
Sem a pensar...

Olhaste


Olhaste
Pelas poças de água
Do sonho, tiras medo
Vais sem medo?
Esperança? Nem por isso a achas.
Pelas poças de águas frias
Na tua cama te refugias
Passas sem medo
Nos lençóis te enrolas
Por baixo da trovoada
Vontade nem por isso
Passas sem piscar os olhos
À cabeceira dois relógios
Pela rua vais tonta
Num confias, no outro nem por isso
Ao relâmpago dizes boa tarde
Para o telefone olhas esperando
Ao trovão pedes coragem
Esquecida estás que ele não toca
Aos pardais dás descanso
No teu mundo ficaste
À besta pedes que seja mansa
Sem ninguém por perto
Pela rua vais sem medo
No teu aperto te esqueceste
Que o relógio continua a trabalhar
No teu quarto morreste
No fundo do poço algo viste
Sem nunca pela janela olhar
E por isso ficaste triste
Para ti olhaste
Mas não choraste.

Mundo triste, este.

Mundo triste, este.
A solidão negra das vestes do velho que chora a partida da companheira da sua vida e os seus empobrecidos olhos azuis, que já não conhecem ninguém, entristece-me.
O olhar molhado e sonhador, da varredora madrugadora, que trespassa o vidro baço da montra vistosa que destaca o vestido florido, entristece-me.
A loucura construída pelo passar dos anos e da saudade do apertar mãos de vez em quando, daquele senhor, entristece-me.
O cheiro a bagaço pela manhã, daquele jovem trintão que nunca conheceu o sorriso, entristece-me.
O vagabundo de maus hábitos, que deambula pela rua agora mais suja, que até nos pombos provoca falsa indiferença, entristece-me.
A miúda pedinte, de mão atrofiada, pés descalços, que afaga o rafeiro pulguento, como que dizendo não tenhas medo eu também estou só, entristece-me.
A solitária tristeza que nesta gente se instala, leva de mim um pouco, um pouco que nunca esquecerei, para, mais tarde, me lembrar de alguém ajudar.

Pintura

Pintura
Um dia pensei em pintar-te, falei com o melhor artista que me pediu para te descrever, falei-lhe dos traços exóticos, das linhas embriagantes e dos sinais extenuantes que formam o teu rosto. Descrevi os cortes perfeitos, as curvas apetecíveis, as marcas imortais, o desenho inigualável, o encosto reconfortante do teu corpo, continuei lembrando-me de cada pormenor teu e ele disse: para pintar a beleza das beldades, a musa das deusas preciso de uma tela em seda e escama de sereia, tinta de prata, ouro e platina misturada com sangue de orquídea, pincéis de pêlo de unicórnio.
Enquanto lhe perguntava como obter tais coisas lembrei-me da tua foto que guardava junto ao peito, mostrei-lha e ele disse: por mais séculos que viva nunca conseguirei pintar a beleza em si, o vigor em si, a luz em si, a deusa inspiradora da criação, nunca acreditei que uma mortal transcendesse assim tudo o que há de imortalmente belo, peço para nunca me cruzar com ela pois a seus pés me ajoelharei e ao seu toque definharei. Ninguém a pintará, pois a mão que a desenhou não era mortal e nenhum instrumento ousará reproduzi-la.
Este homem lembrou-me que não preciso de um quadro teu pois estás presente na beleza de todas as criações, no ar que respiro, nos sonhos que tenho. Esquece se quis projectar-te num pano e parar-te no tempo, ou se te quis só para mim num acto de egoísmo extremo.
Continua a mostrar-me um pouco de ti, que eu serei feliz e sonharei o sonho eterno em que tu és minha.

Morena

Morena
Quando te vi não consegui de ti os olhos tirar. Fizeste com que eu te olhasse como se nunca te tivesse visto, como sempre, mas era mentira, já te tinha visto, memorizado os teus olhos, decorado o teu rosto, desejado o teu corpo. Era o normal. Tu aparecias e eu desfalecia. Por vezes dois beijos me davas e eu não tinha forças para dizer “Olá”. Só me apetecia dizer o quanto te amo, o quanto queria que tu me olhasses como eu sou, doido por ti. Só te queria dizer que, por ti, tudo deixava, tudo mudava e até me matava. Mas não, tu dois beijos me davas e seguias, seguias a tua vida como se a minha nada significasse, embora estivesse presa à tua por tão fino fio. Tu seguias, com o teu cabelo negro a dançar, com os teus negros olhos a destroçar, contigo própria a vingar numa dança que não era a tua. Mas agora eu já não sei o que te dizer. Agora que do teu passado sei, já não sei se te hei-de amar mais, sem te perdoar, se te esquecer sem que tu te percas no meu fundo. Agora que sei, por ti peço perdão e te dou a minha mão com tudo o que te posso dar, tudo o que eu sou. Agora que dos teus amores sei, só sei que de tudo me apetece desistir sem que tu te fiques a rir. Agora que sei só me apetece rasgar quem à minha frente vir ou mesmo beijar-te a sorrir e pedir-te para deste lugar fugir.
Vem, tu e eu, para longe do que te magoa, para longe do que eu gosto, por ti eu dobrava o mundo, corria nu pelas avenidas, apertava a mão a quem não gosta de mim e beijava quem eu não gosto. Eu só queria que tu me olhasses como eu sou, só teu e deixasses que um pouco de mim cicatriza-se no teu coração, pois o meu, por tua causa, de tanto sangrar me vai matar.

Pânico


Pânico
Pressão, movimento, estática,
Paredes, pressão, medo,
Susto, chão, pressão,
Olhares, pára, sai,
Pressão, terror, queda,
Fundo, pressão, corre,
Desaparece, ajuda, pressão,
Silêncio, canto, casa,
Pressão, lágrimas, longe,
Dentro, pressão, escuro,
Tremor, pavor, pressão,
Pânico.

Cheguei,


Cheguei,
Agora já não sei o que fiz
O que lá fora se passa
Ou o que aqui dentro corre.
Estou longe, alheio.
É bom, é certo também.
Deixei de olhar,
De ver mais além
Quis aqui ficar
Para não mais te chorar
É mau, é errado também
Isso eu sei tão bem.
Deixa-me aqui sozinho
É aqui que quero ficar velhinho
Não aí.
É esquisito, diferente também
Mas é assim, para mim, o fim!

De não!


De não!
Esta vivência de não movimento
Esta mente a perder-se
Esta calma estranheza
Esta mágoa certa
Esta válvula de vários sentidos
Este futuro incerto
Esta estupidez assombra
Este estado de não saber
Esta vontade de acabar
Esta ansiedade de não ver
Esta vergonha de mostrar
Este medo de se saber
Este corpo a definhar
Este sonho a morrer!

Rasgasse


Rasgasse
Tentei dizer-te o que na alma me ia
Mas nem uma lágrima me escorria
Em tinta e papel agarrei
E aí tudo me doeu
Lembra-te que o que a minha mão escreveu
Foram gestos da minha língua
Manobras da minha mente
Batimentos que o meu coração não suportou
E no entanto só o papel deixou
Que a caneta o rasgasse
E que o sentimento vingasse
Quero que saibas que por ti tudo deixarei
E que nunca me arrependerei do que te amei
Pois tu nunca me olhaste, nunca de mim gostaste
Como eu te gostei, como eu te adorei
E quando estas linhas leres
Quererás saber, onde me cortei
Fica com estas palavrasQue eu fico com o teu que nunca tive

Agora é tarde


Agora é tarde
Às vezes o silêncio pesa,
O escuro assusta,
A distância sufoca,
O nevoeiro arrepia,
A chuva cansa
E a saudade angustia.
O que tenho para te dizer
As palavras não saem
Seca-me a garganta.
Não consigo.
Tremo por ter de te enfrentar.
Como se fosse uma última batalha.
Arrepio-me na nossa troca de olhares.
Os teus olhos sempre me fascinaram
Ao mesmo tempo que sinto
Os teus lábios na minha face,
A tua mão no meu ombro
Sinto um trovejar dentro do peito.
Arrepios percorrem-me o corpo.
Batimentos galopantes
Pressionam-me os pulmões.
Ainda estendo o braço,
Na ânsia de te tocar.
Mas reteso-me numa fria dor
Que me endurece a espinha.
Ainda assisto ao meu embate
Com o soalho poeirento.
Flutuo agora num mar vermelho.
Ainda levanto a minha mão
Na busca da tua.
Ainda acredito que estás ai.
Estás?
Agora já é tarde.
À muito que devia
Ter chamado por ti
Falado contigo
Agora é tarde demais.

Por ti


Por ti
Olho para as estrelas
Não sei que mais fazer
Só vejo constelações com o teu nome
O facto de não te ter
Cada vez que penso nisso
Começa a cortar-me o peito
Sinto que o fogo
Não consigo pensar em mais nada
Vai consumir-me as entranhas
Enjaulei-me numa paixão que não existe
Sinto-me aterradoramente angustiado
Sinto-me debaixo de toneladas
De sofrimento embriagante
De pensamentos e sentimentos afiados
Sinto que se sair à rua
O peso torna-se demasiado
Vou ser crucificado com cavilhas
Perdoa os meus actos
Enroladas em arame farpado
Que eu perdoo o teu desprezo
Assinaste a estaca que me rasga o coração
Sinto que serei apedrejado também
Mas não morro facilmente
Nem com a pedra que me esmaga o crânio
A que vi sair da tua mão
Morro sim, por olhar nos teus olhos
E ler que nunca gostaste de mim
Ao mesmo tempo quem me desfaço por dentro
Morro feliz, pois olhar-te
Foi a última coisa que fiz.

O teu coração


O teu coração
Por entre três árvores
Quando me observas e me falas
Em dois dias vais a terra
Sei que não me dizes tudo
Tu viste o que não devias
Acho que muito fica por contar
Em dois dias voltas ao mar
Sei que os teus olhos me dizem
Tu perdeste o sono da vida
O contrário da tua boca
Tens medo de te perder nas águas sem cor
Percebo que dentro do teu peito
E ganhaste o pesadelo do frio
A emoção de estar comigo
Querer conhecer o fundo do mar
Acelera o teu coração
Viste o que nunca pensaste existir
Eu sei que não me podes contar tudo
Desde a costa que tens saudades de terra firme
Sei o que tens para contar
O consumo da vida pelo fogo
Abalava dois mundos
Deste ao mar a tua vida
As tuas rugas não enganam
Ardeste na água sem força
Tens várias vidas vividas
Sempre a poupar, sempre a gastar
E no entanto queres perder-te
Quebraste o pequeno ramo que queria viver
Nos meus braços
Na vida a dependência pode matar
Trocavas tudo por um beijo meu
Nunca mais foste a mesma
Fechavas os olhos para me veres
Na morte ninguém tem que pagar
Esquecias-te para me lembrares
E perdeste-te num mundo de sangue e feridas.

Num dia


Num dia
Ó pescador das ondas turbulentas
Ó peixe de prateada cor
Ó barco de quilha gasta
Vocês que nem uma palavra trocam
Vocês que tantos mitos criam
Ó mar tantos tu matas, tantos tu alimentas
Ó homem das rugas salgadas
Ó animal de escama escorregadia
Ó corta vagas
Vocês nem uma palavra dizem
E às vezes desaparecem sem rasto
Ó tu que ceifas vidas
Ó tu que morres para servir de alimento
Ó tu que és cúmplice
Vocês continuam sem uma palavra dizer
E continuam a desaparecer
Sem sequer saber
Os nomes de quem fazem felizes
Vocês que continuam a ser do mar
Vergando-se às ondas
Bebendo as suas águas de morte e vida
Pedindo apenas para chegar vivo ao fim do dia
Sabendo que a linha que vos separa é fina demais
Um dia ganha-se no outro perde-se
E nas águas do Oceano perder é morrer
O peixe que vive para procriar e morrer
O pescador que vive para matar o peixe e morrer
O barco que sangra as ondas, sente o sangue do peixe
E no fundo do mar, serve de campa ao pescador.

Gota


Gota
Como eu gostava de ser
Um pingo
Uma gota de água na imensa chuva
Uma gota que caísse no teu leito seco
Mas tenho medo de ser totalmente bebido
Pela secura que te atormenta
Por ti enfrentava o mar, trovões e tornados
Mas é de ti que eu tenho medo
Tenho medo que uma trovoada caía a montante
E me leve
Tenho medo de ser levado pelas águas barrentas
Que te sujam os olhos
E tornar insignificante o relevo que criei
Que criei ao cair na areia quente do teu leito
E é por apenas ter medo de te enfrentar
De enfrentar o dilúvio que por ti podia passar
Que prefiro andar nas nuvens, ao sabor do vento
E talvez, por vezes ser uma daquelas gotas
Que na tua cara ficam, aquelas meio salgadas
Que dos teus olhos correm fazendo arder os teus lábios
Aquelas que correm, pois as fortes correntes
Que um dia te alegraram desapareceram
Levando com elas muita da areia quente, do teu leito.

Já!


Já!
Só vos pergunto uma coisa.
O que vos mantém aqui?
Eu já não percebo,
Já não consigo suportar isto.
Suportar isto tudo, esta gente,
Esta brincadeira, esta idiotice,
Esta maneira de mexer sem razão,
Este viver sem sentir, este viver sem querer,
Esta mania de perceber, esta vontade de partir,
Quero, ir, adeus,
Que deixo eu?
Alegrias, vontades?
Isso acontece todos os dias.
Que mais?
Acenos, sorrisos? Que mais de novo?
É tudo tão normal, tão à frente dos olhos.
Que vontade dá, de aqui continuar?
Para quê?
Para onde?
Onde mesmo?
Que loucura. Aqui ficar.
De longe se vê, que aqui,
Me vou perder,
Mas,
Para onde ir, se de aqui devo partir

Como


Como
Como a vida pode ser triste
Quando ninguém a vê
Como a tristeza pode ser morte
Quando ninguém a sente
Como o sentimento pode ser vazio
Quando ninguém o escreve
Como a escrita pode ser transparente
Quando ninguém a lê
Como a leitura pode ser incapaz
Quando ninguém a percebe
Como o conhecimento pode ser desconhecido
Quando ninguém o questiona
Como podemos ser mortais
Quando nem a morte conhecemos!

Sozinho


Sozinho
Do pó te vi crescer
Do desejo te vi nascer
Das fagulhas te ouvi falar
Às almas te vi chorar
Pelos olhos te vi perder
Às gentes te vi vergar
Pela vida te vi sofrer
Às luzes te vi sorrir
Pelo mundo te vi vaguear
Aos montes te vi trabalhar
Pela terra te vi semear
Na terra te vi deitar
Pelos mares te vi nadar
Pelos céus te vi olhar
Por ti nada vi fazer
Sozinho te vi morrer!

Quem?

Quem?
Quem realmente diz o que quer?
Quem na verdade fala?
Quem diz os palavrões que lhe apetece?
Quem se sente bem em todos os ambientes?
Quem não ama os bichos?
Quem não inveja a Mãe Natureza?
Quem vai onde quer?
Quem tem tudo o que lhe apetece?
Quem não vê as suas impossibilidades?
Quem tem todas as verdades?
Quem não tem medo de si próprio?
Quem não deixa a sua alma divagar?
Quem não tem conflitos dentro de si próprio?
Quem não tem vários eus?
Quem tem a vontade suprema?
Quem não sucumbe à beleza da vida?
Quem não tem medo de mostrar alguém?
Quem não ama duas vezes?
Quem não se desmultiplica para ver?
Quem dispensa a sombra de uma árvore?
Quem não gosta do verde da erva nas calças?
Quem não fez já festas no musgo do lado frio da árvore?
Quem não inveja a Mãe Natureza?
Quem não.

Tu


Tu
Quando o vento não me deixa ouvir
Quando os sentidos deturpam a realidade
Quando a verdade me engana
Penso em ti.
Quando o mar me joga na areia
Quando o tempo anda para trás
Quando a vontade se esgota
Lembro-me de ti.
Quando o Sol me sorri
Quando a Lua me acena
Quando me sinto bem
Vejo-te.

O Tempo


O tempo
Toca no fundo uma águia
Sobe ao alto um nobre cavalo
Pede ao Vento um pouco de tempo
Mas o Tempo não cedeu
Virou-se então para o Sol
Mas apenas meio encontrou
Pois ele estava a dizer adeus
Decidiu então o nobre animal
Correr
Dançou com o vento
Mas a tardar estava o Tempo
Mas para quê tanto tempo?
Foi então que perdeu o Vento
Foi então que o nobre se apercebeu
Que o Sol estava nada
Foi então que olhou o céu
E de repente triste ficou
Pois olhou, olhou de mais
E sentiu vontade de voar
Voar bem alto.

Lôca


Lôca
Os teus olhos enlouquecem deuses
Nem o mais lindo mar
Ou floresta exótica
A eles se podem comparar
Os teus lábios provocam desejo
No mais puro ser
Os teus cabelos parecem filhos do vento
Dançando majestosamente com ele
O teu corpo é superior ao de uma deusa
Os teus olhares superficiais tornaram-se
Fortes facadas em mim
Os teus lábios provocam tanto desejo
Que os meus doem
Os teus cabelos à medida que
Bailam ao sabor do vento
Tornam-se chicotes afiados
Que castigam.

Lembrança


Lembrança
Um copo de água
De água sem cor
Um corpo cheio de mágoa
Uma alma com dor
Um sentimento perdido
Uma solidão achada
De um pássaro fugido
Uma vida tramada
Um estrondo na vida
Um coração fechado
Sem entrada nem saída
Um mundo acabado
Uma morte chorada
Um caixão trabalhado
Com lápide acinzentada
Um marco na memória
Que jamais irá embora!

Esquecer


Esquecer
Por mais que o vento sopre
Por mais que a maré mude
Por mais que as ondas batam
Por mais que o restolho arda
A vontade é sempre a mesma
Por mais que o tempo passe
Por mais que o arrozal encha
Por mais que a cortiça inche
O olhar é sempre o mesmo
Por mais que os tempos mudem
Por mais que os olhos sofram
Por mais que te levem
Eu vou ser sempre o mesmo
Por mais que tu fujas
Por mais que eu fuja
Por mais que corramos
Nunca te vou esquecer!

Ser Livre


Ser livre
Sonhar é voar
Viver não é sofrer
Sentir não é fugir
Chorar não é parar
Tocar não é magoar
Amar não é gritar
Ser não é morrer
Poder não é sobreviver
Deixar não é matar
Servir não é sucumbir
Livre ser, tudo é.

Prisão


Prisão
Correntes nas mãos
Pés atados
Boca fechada
Corpo amarrado
À frente a vida em movimento
Nem num só momento
Se consegue viver
É como estar a morrer
E não sobreviver
Bem alto gritar
É algo que está a tardar
Não se consegue soltar
Apenas chorar
Nada se consegue parar
Ainda menos soltar
Ser livre é tudo
Ser prisioneiro é nada.

Única


Única
Monótono, igual
Vendedor ambulante
Bengala de metal
Barulho constante
Estante medieval
E mesmo assim continua igual
Desfocas a imagem e pensas
Três vezes o disseste
Outras tantas o pensaste
Quiseste percebê-lo
Mas não o conseguiste
Perdeste-te novamente
Escreveste umas capicuas,
Essas que, tal como tu,
O definem sem o ser
Viste o teu estragado futuro
Por causa de um passado duro
Olhaste para a tua companheira
Ela que, em vez de envelhecer
A teu lado,
Envelheceu por causa de ti
Sabias que o fim se aproximava
Ela sentia o cheiro da traição
Mesmo antes de tu pensares nisso
Esta tornou-se a única noite em que
Choraste.
Deixaste de temer a morte,
Dando o primeiro passo para a desejar
O lugar onde tu querias estar
Ninguém sabia que existia.
Desapareceste, aprisionado em ti
Desapareceste achando-te dono da verdade
Esquecido estavas que ela
Era a única coisa que possuías.

Teu

Teu
Como és capaz de dizer isso?
Quando ouvi a tua voz nem quis acreditar
Eu sou teu e de mais ninguém
Era tão doce, tão suave, tão apaixonada
Será que não percebes isso?
Fiquei a ouvir sem te perceber
Eu deixei a minha vida por ti
Deixei-me levar pela música que me cantavas
Ainda não consegues ver isso?
Eu não disse uma palavra e tu continuavas a cantar
Eu respiro o teu cheiro
A falar sobre o que eu não percebia
Tens problemas em olhar-me?
Mas não interessava, era a tua voz que eu ouvia
Eu só oiço a tua voz
Foi então que perguntaste se eu estava a ouvir
Podes parar com isso?
Oh, se estava, ouvia-te como nunca tinha ouvido ninguém
Se tu não me amas
Estava intoxicado com a melodia da tua voz
Eu não consigo viver mais sem ti
Extasiado com a sua doçura
Se tu te vais
Chamaste-me doido e desligaste
Eu me vou também
Não faz mal, eu guardei a tua canção
Peço-te que me olhes nos olhos mais uma vez
No meu coração
E vejas o quanto eles são teus.

Acerca de mim

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"Se queres a Paz, prepara-te para a Guerra!", http://AntonioMaria.hi5.com